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Na mente do novo consumidor


Havia um cenário.  Nem todos os lugares ainda ardiam pelo fogo e alguns sequer queimaram. Muris no chão, vidas reviradas, cemitérios cheios, barrigas vazias. O cenário era de escassez que se aplicaria a um número vasto de coordenadas no GPS e até mesmo aos pontos onde nem mesmo o GPS alcança. Neste cenário, não existe população - existe um público-alvo, tão vasto quanto o território que ocupa. O relacionamento entre as empresas e o consumidor, neste e em outros cenários, pode ser amor ou cilada. 

A figura do cliente saiu desse cenário, mas não pousou diretamente no século XIX. O cliente, tal como as organizações, foi construído ao longo dos anos. Esses dois personagens da história passaram por transformações que culminaram em uma dupla mudança: no posicionamento das empresas e no perfil do consumidor. As organizações, de maneira geral, deixaram de ver o negócio sob o viés das antigas crenças e já não tentam fazer reviver as práticas tayloristas e fordistas que nem bem respiram por aparelhos, pois os princípios do industrialismo de massas não dialogam com os novos consumidores. “Em um mundo arrasado por duas grandes guerras, as empresas se diferenciavam pela oferta de produtos e serviços, mas atualmente o foco está na demanda. O foco é determinar se os produtos e serviços são necessários, são desejados e estão nos planos do consumidor? Paralelamente, antes o foco era o produto, seja na funcionalidade, na praticidade, no preço, nas vantagens, etc. Hoje, o foco é o cliente. O que ele quer? O seu produto ou serviço vai resolver o seu problema? Ele deseja isso? Qual é o foco do cliente em relação dos produtos e serviços?”, explica Nádia Grezzana Mascelani, mestre em Administração, professora e consultora do SENAC-SC e proprietária das lojas de produtos naturais Empório FazBem em Concórdia (SC) e Erechim (RS).

Depois do boom da qualidade, a padronização dos produtos perdeu espaço para a inovação, tendo em vista a criação de uma experiência personalizada para o consumidor. “Isso nos leva a uma mudança fundamental de percepção em que os ativos tangíveis se desvalorizam para que os ativos intangíveis adquiram maior valor de mercado. Em termos práticos, a marca Google vale muito mais do que sua estrutura física. O mesmo vale para a estratégia, os talentos humanos, a cultura, o conhecimento, etc. A percepção do gestor deixou de ser gerar lucro para gerar valor ao cliente, o que tornou a lucratividade uma consequência. Esse processo todo é indissociável e irrefreável porque parte de muitas frentes, foi construído sob muitas perspectivas diferentes e testado em muitos níveis. É impossível não pensar dessa forma com uma empresa que valorize o capital intelectual e não somente a força de trabalho representada pelos colaboradores”, diz Nádia.

Com perfis variados e necessidades cada vez mais específicas, os consumidores apresentam novas demandas num mercado em expansão. Segundo a consultora, os empreendedores e empresários devem manter aprendizado constante sobre o seu negócio, seus produtos e serviços, o mercado, seus clientes e suas demandas. “A condição ainda exige que gestores monitorem as tendências globais e adaptem suas estratégias locais para buscar vantagens competitivas frente à concorrência, já que ela não está mais limitada a um território conhecido. O que é preciso entender é que o foco da operação é a geração de valor para o cliente, isso vai além da compra e venda. É a percepção dos benefícios proporcionados pelo produto ou serviço que precisa ser ressaltada para o cliente, pois ele deseja uma experiência de compra e não apenas um preço ou um benefício isolado”, ressalta.

 

QUEM SÃO OS CONSUMIDORES

Há cerca de seis anos, a engenheira civil Tânia Mara Sebben Oneda se tornou outro tipo de consumidora. “Marina, minha filha, sempre foi uma criança magrinha, que não ganhava peso. A pediatra desconfiou e solicitou vários exames de sangue até que um deles apontou o anticorpo positivo (antitransglutaminase). Depois, a biópsia do intestino através de uma endoscopia confirmou o diagnóstico da doença celíaca. Descobri que na hora de comprar alimentos, é importante observar rótulos com a inscrição ‘Não contém glúten’ e ainda se certifica que o produto não compartilha maquinário com outros produtos que contenham glúten. A Associação dos Celíacos (Acelbra) de Joinville divulga as marcas confiáveis”, diz Tânia. 

A engenheira conta que a família, especialmente ela e o marido João Raphael Lisboa Oneda, ficava imaginando como seria a vida da filha no futuro, sua socialização, seus aniversários, sob o prisma da restrição. “Será que vamos conseguir eliminar totalmente o glúten da dieta? Várias perguntas ainda não têm respostas. A pediatra nos encaminhou para a Acelbra, onde encontramos outras pessoas com o mesmo diagnóstico, esclarecemos dúvidas com os médicos, conversamos com nutricionistas e assistimos palestras sobre o assunto nas reuniões mensais. Mas o mais desafiador talvez tenha sido a adaptação da família, especialmente fora do núcleo direto. Precisávamos que todos entendessem sobre a contaminação cruzada. Isso significa que a vovó não poderia esperar a netinha chegar com um bolo sem glúten assado em um forno onde já foi assado um pão com trigo, pois o forno está contaminado. Foi muito difícil para eles aceitarem que a comida dela não pode ser preparada com os mesmos utensílios e eletrodomésticos de uma casa comum, onde existe glúten diariamente, pois os utensílios estão contaminados. É a mesma lógica da produção industrial, que precisa de maquinários próprios. Na minha casa tudo foi trocado para que fosse descontaminado”, aponta.

A procura de Tânia e João Raphael por uma vida melhor para a pequena Marina os transferiu diretamente para um nicho de mercado. Segundo Nádia, “nenhuma empresa pode ter produtos ou serviços que atendam a todas as demandas de todas as categorias de clientes. A organização precisa ser singular em alguma coisa valiosa para o cliente. Muitas delas acabam compreendendo isso de forma equivocada e se tornam diferentes quando deveriam ser diferenciadas. A mudança não é apenas semântica: o diferente aposta em itens não valorizados pelos clientes. Em um exemplo prático, quem é diferente oferece alimentos sem glúten, mas quem é diferenciado oferece alimentos aptos para celíacos. Essa confusão ocorre porque a diferenciação exige do gestor um conhecimento profundo sobre o negócio e o ambiente em que se insere, além do uso adequado dos recursos tecnológicos, físicos, financeiros e humanos para minimizar problemas e maximizar oportunidades. Em resumo, é necessário gerir estrategicamente para se diferenciar dentro de um nicho de mercado atendido”.

Não vale, também, se enganar pensando na saturação dos mercados. Nichos específicos ainda não possuem tamanha oferta para atender adequadamente a demanda e nem mesmo para sobrecarregar os pontos de venda. “Temos algumas marcas especializadas como a Aminna, de Blumenau, e a Urbano, de Jaraguá do Sul, que têm produtos excelentes. Também encontramos alguns produtos importados na rede de mercados Angeloni. É claro que a nossa condição é facilitada em partes por morarmos em um centro maior que é Joinville. Quando vamos ao Meio-Oeste visitar a família, normalmente levamos uma caixa de produtos daqui por não conhecer as marcas e não poder correr o risco de ficar sem. Mesmo assim, aqui existem duas padarias completamente sem glúten e um bistrô, o que reduz as opções. Por isso, depois do diagnóstico, meu marido, que também é engenheiro e já gostava de cozinhar, decidiu fazer um curso de chef de cousine e uma especialização em cozinha italiana na Itália para conseguirmos adaptar as receitas, não depender tanto das alternativas do mercado e ajudar outras pessoas. Ele já publicou dois e-books com receitas práticas sem glúten”, salienta Tânia.

Desde que o diagnóstico foi conhecido, a família já experimentou, aprovou e desaprovou muitos pratos já que a adaptação de receitas para pães, massas e bolos é constante. Entretanto, vale lembrar que a alimentação equilibrada não contempla somente estes itens. Já que a comida do dia a dia, arroz, feijão, ovos, carne, frutas e verduras naturalmente não tem glúten, as experiências da família ficam para os finais de semana. Tânia ainda conta que “em todos os aniversários dela, os participantes comem comida sem glúten. Eles são convidados a experimentar novos sabores e ela, que é a peça mais importante, poderá comer o que quiser, sem restrições. Já nas festas dos amiguinhos, levo uma marmita com ‘comida de aniversário sem glúten’ para ela, mas sempre ensinamos que o mais importante não é a comida, mas a interação com os amigos”. 

 

 

COMO SABER O QUE ELES QUEREM?

Ok. Um pouco a gente já sabe. Provavelmente, você, empresário ou empreendedor ou aspirante a empreendedor, projetou o seu negócio pensando em um público em que você próprio se enquadra, a partir de um produto ou serviço que consumiria. Mas será que isso é o suficiente? Nádia aponta que as demandas mudam constantemente. “Se tomarmos emprestado o conceito de Mundo VUCA, podemos dizer que vivemos uma condição de constante volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, o que caracteriza perfeitamente o comportamento do consumidor”, diz.

Esse conceito, caso seja novo para você, provém de um acrônimo criado pelos militares dos Estados Unidos no U.S. Army College para explicar o mundo no contexto pós-Guerra Fria. A palavra é formada pela inicial de Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity, o que se torna Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade no nosso querido português, que se referem, por sua vez, a características bem específicas que causam a sensação de que algo está fora do controle e pode colapsar quem precisa de segurança e estabilidade para reagir.

No conceito, a Volatilidade indica que o volume de mudanças e a rapidez com que acontecem tem tornado difícil prever cenários. Assim, mais importante do que planejamentos elaborados é ter a capacidade de lidar com o inesperado de forma eficaz. Já a Incerteza aponta que embora haja uma ampla variedade de informações circulando a todo momento, nem todas elas são úteis para compreender o futuro. Isso também significa que soluções atuais podem não ser aplicáveis para problemas futuros, pois as consequências de uma mudança são sempre imprevisíveis. A Complexidade aponta que os modelos tradicionais de gestão de riscos e tomada de decisão não são suficientes para lidar com todas as variáveis do contexto atual. Igualmente, não é possível prever resultados de ações isoladas, já que elas compõem um sistema complexo. Por fim, a Ambiguidade demonstra que existem muitas formas de interpretar e analisar os contextos – quer dizer que está tudo bem entender as coisas de outro modo.

A partir desse entendimento, Nádia comenta que existem algumas ferramentas capazes de facilitar a identificação do perfil do consumidor e também a sua gestão, tal como o CRM (Customer Relationship Management), ou a gestão do relacionamento com o cliente. “O objetivo do CRM é colocar o cliente como o centro dos processos da empresa para viabilizar aquele tipo de percepção que permite antecipar as necessidades atuais e potenciais do cliente. Na estratégia ideal de CRM, o mais importante é saber como a empresa pode e deve aproveitar o momento de contato com o cliente para dar continuidade ao processo de aprendizado sobre ele, visando fortalecer o relacionamento e a fidelização. Empresas mais inovadoras, porém, tem definido as personas que buscam alcançar e servir. O objetivo dessa definição é conhecer ao máximo uma categoria de clientes, sabendo por exemplo: Quais são os seus valores? O que esse cliente faz no dia a dia? Quais são as suas metas? Que outras marcas costuma usar? Qual é o seu sonho? Quais são as suas dores? Como o meu negócio pode impactar positivamente na vida dessa persona? Saber disso, sem esquecer das informações básicas como idade, onde mora, onde trabalha, que cargo tem e qual é a sua formação, auxilia a refinar a comunicação com o cliente e potencializar as vendas”, esclarece.

Para atender o nicho específico dos celíacos, Tânia recomenda que se o foco é a alimentação restritiva, não se deve compartilhar o maquinário com produtos que contenham glúten. “Já para atingir essas pessoas com mais facilidade, pode-se divulgar nas associações e com profissionais da saúde que atuem nessa área. Nós percebemos muitas mudanças nestes seis anos de convivência com a doença celíaca e certamente veremos outras ainda maiores. A cada dia aumenta o número de fornecedores e também de celíacos. Como o glúten pode estar em vários produtos e se manifestar de diversas maneiras, até mesmo pela pele, é importante que existam fornecedores não apenas na área da alimentação, mas também de cosméticos como maquiagens, produtos de higiene pessoal, sabonetes, creme dental, etc.”, finaliza a engenheira. Se você iniciou a leitura em busca de novos mercados, talvez seja interessante pesquisar alguns temas mais a fundo. Por fim, lembre-se que existe espaço mesmo em mercados aparentemente saturados.

 

OS SEGREDOS DE NÁDIA

Como se diferenciar em um nicho específico e atender suas personas de forma eficaz:

Converse com seus clientes mais fiéis para descobrir quais são os Fatores Críticos de Sucesso, ou seja, o que faz eles voltarem a comprar seus produtos e serviços, o que faz com que indiquem a sua empresa aos seus amigos;

Descubra no que a sua empresa se diferencia da concorrência;

Questione-se o quanto o seu cliente valoriza essa diferença;

Insvista nesse fator;

Insvista em capacitação e inovação de produtos, serviços e da gestão;

Participe de eventos (feiras, seminários, etc.) para trazer novidades aos clientes;

 


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